1996: relembre com a gente 20 momentos musicais de 20 anos atrás

Jade Gola
Por Jade Gola

Segundo a Billboard, 1996 foi o ano mais eclético e, por isso, o melhor musicalmente de toda a década de 1990. Gêneros, subgêneros e trends nasciam, cânones como o rock se mutavam, o pop seguia bilionário antes da revolução do MP3 e via um protagonismo forte da cultura hip hop. E a música eletrônica, ah compadres… Essa vinha numa espiral ascendente para dominar o mundo!

Como aqui a gente sabe que relembrar é viver, afinal a música de outros tempos também é a do presente, a gente faz mais uma retrospectiva efeméride a partir de 2016: viajaremos para 20 anos atrás, para relembrar 20 momentos musicais de 1996, ano em que estávamos à margem da revolução da Internet e do século XXI.

  • Para que a página não ficasse tão pesada, maneiramos nos embeds linkando músicas e afins no texto. Navegue e vá escutando os destaques em outras abinhas.

 

“Trainspotting e “Born Slippy”

Nenhuma obra condensou melhor a cultura heroin chic e o niilismo dos anos 90 como o filme inglês “Trainspotting”, que levou Ewan McGregor e o diretor Danny Boyle a Hollywood, e que em seu 20o aniversário ganhará uma continuação com o elenco original (veja o teaser). Drogas, escatologia e a juventude perdida/alienada (ou liberta?) foram a história de vida de muitos clubbers, ainda mais embalado com o hitaço “Born Slippy”, do Underworld, que trilhava os rolês do protagonista Renton com sua levada trance épica.

 

Nasce o indie como gênero

Manic Street Preachers, Eels, Stereolab, Tortoise, Afghan Whigs e, principalmente, Belle & Sebastian cristalizaram o indie como gênero específico do rock circa 96. O indie misturava rock alternativo, experimentalismos, pop descolado e criativo, cancioneiro folk de referências vintage e híbridas, sempre se esquivando do que é estabelecido nos charts pop. Era um som de universitário de atitude blasé e que extraoficialmente deixou de existir no século 21 ao ser fagocitado pela indústria fonográfica, e que foi suplantado pela Internet como espaço e pressuposto estético estrutural do que é “independente”…

bsebastian

 

ENQUANTO ISSO, NO BRASIL…

carlinha perez

 

A reinvenção do sampling com DJ Shadow

Poucos anos depois de começar a produzir, o DJ californiano Joshua Paul “Josh” Davis, o Shadow, criou chacoalhou as estruturas do hip hop instrumental em seu LP de estreia, “Endtroducing…”. Em um trabalho de ourives, feito com poucos instrumentos, Shadow não só deu uma aula de sampling como provou e expandiu as possibilidades musicais dos beatmakers, com sua meticulosidade e o ecletismo transformado em musicalidade autoral. Foi em 1996 o “disco do ano” de um então obscuro e pequeno blog: o Pitchfork.

  • Navegue aqui pela bibliografia de samples de “Endtroducing…”

 

The beat is big!

Impulsionado pelo “Exit Planet Dust” dos Chemical Brothers em 1995, e com o lançamento de “Better Living Through Chemistry”, no fatídico 96, o big beat era o som que revelava a ânsia que sentíamos com a eletrônica cada vez mais famosa no mundo inteiro. O debut do Fatboy era bem didático a esse gênero momentâneo, tematizando sua formas (“Give the Po’ Man a Break“), os preceitos desse som (“Everybody Needs a 303“), seu hibridismo (“Punk to Funk“) e o aspecto de nightclubbing (“The Weekend Starts Here“), tudo num discaço.

Em 96 os disquetes ainda armazemavam 1,44MB de muita modernidade!

Em 96 os disquetes ainda armazemavam 1,44MB de muita modernidade!

 

Beck fundiu todos os gêneros de 96 num disco só

“Odelay” trouxe à fama em 96 um americano nerdão e magrelo, que fazia hip hop como um negro, dance music como o mais descolado dos europeus, rock’n’roll de origem country, e bastante boogie woogie, tudo bem irônico, mas também super autêntico. “Where It’s At“, “Devils’ Haircut” e “The New Pollution” foram singles que sinalizavam o novo século da hiperinformação, em que gêneros definitivos tornariam-se uma questão problemática. Ponto positivo também para os clipes de “Odelay”: era um mais legal que o outro.

french touch estava prestes a explodir

Numa resenha de 1996 do EP “Super Discount”, de Étienne de Crécy, um jornalista da Melody Maker chamou de french touch o house music sofisticada de produtores da França à época. O termo pegou, e pegou mais ainda o talento de gente como Thomas Bangalter com seu selo Roulé e o projeto Daft Punk, que no ano seguinte seria a coisa mais legal da dance music fazendo seu “Homework”. O som condensava eurodance, disco, funk, jazz e trilhas de filmes antigos, criando uma ideia de “house fino” em voga até hoje. Alex Gopher, Dimitri from Paris, Cassius Bob Sinclair lançaram tracks marcantes da french touch em 96, todos alcançando maior sucesso posteriormente, em diferentes escalas (o AIR também era afiliado).

  • A french touch não foi um zeitgeist exclusivo dos franceses, apesar do título. Gente como o inglês Todd Edwards ajudou a moldar o som daft punkeano com suas colagens e uso de samples.

O mito Björk vem ao Brasil

No ano em que se atracou com uma repórter em frente das câmeras na Tailândia, em que lançou o disco de remixes “Telegram”, com “Hyperballad” tocando em clubes e raves, época em que ela já tinha 3 biografias (!), Björk desembarcou no Brasil para shows no Free Jazz, festival que começava a prestar mais atenção na música eletrônica e alternativa. Björk já era um mito em 1996 por causa do disco “Post”, e algum santo upou o show inteiro de 96 no Brasil no YouTube. Amém!

 

Jamiroquai levou o acid jazz ao mainstream

Todo mundo cantou e dançou com os ingleses do Jamiroquai, banda das mais legais da época que arrebatou paradas, fez videoclipes insanos com carrões e efeitos especiais e ganhou o VMA com o disco “Travelling Without Moving”, levando à fama o acid jazz branquelo, dançante e cheio de sofisticação urbana que era o coolness da época. Com quatro singles (“Virtual Insanity” o mais memorável), o álbum vendeu mais de 10 milhões de discos no mundo todo e seu CD foi um hit dos amigos secretos de 1996/97.

 

Madonna transformou-se em Evita

Em 1996 não havia 20 rainhas do pop, Madonna reinava absoluta. Após o íntimo e descolado “Bedtime Stories” em 94, ela fez as malas para Buenos Aires onde fez imersão como mulher séria (Madonna ainda era vista como pervertida), de coque, para interpretar a primeira-dama do peronismo Evita Perón. Muitos argentinos torceram o nariz e pichavam ¡fuera Madonna!, mas o filme foi um relativo sucesso, foi premiado e criou momentos homéricas da cantora, como “Don’t Cry For Me Argentina”.

De "Erotica" e "Bedtime Stories" para o dramalhão argentino

De “Erotica” e “Bedtime Stories” para o dramalhão argentino

 

David Morales era o rei da house music

Não tinha pra ninguém: DJ das principais casas da Europa (Pacha Ibiza) e dos EUA (The Loft, Sound Factory), Morales despontava como um novo Larry Levan, produtor de sucesso e, principalmente, remixer requisitado do pop. Só àquele ano, ele ajustou Björk, Michael Jackson, Toni Braxton, Jamiroquai, Gloria Estefan e principalmente, Mariah Carey, cuja versão sweet dub de Morales veio a ser agraciada com um Grammy em 1999 na nova categoria de remixes; muitos dos remixes de Morales eram as versões que tocavam desses artistas nas FMs. E 1996 era o ano em que David “the boss” Morales soltou esse petardo global: “In Da Ghetto”, sintetizando a marra e a sensualidade da house music americana e latina.

  • Mas o house master predileto de Madonna era Junior Vasquez. Em 96 ele lançou “If Madonna Calls”, sampleando um recado da cantora em sua secretária eletrônica. Dizem que a diva não gostou e nunca mais trabalharam juntos direito após ele fazer a íntima…

 

Todo mundo dançou a Macarena

Sim, você fez o passo com os bracinhos e a viradinha e dançou esse grude histórico dos anos 90. O interessante de “Macarena”, lançada em 94/95 pela dupla de cantores espanhóis Los del Río, é que ela ficou mundialmente famosa em 96 com o remix dos Bayside Boys, um trio de produtores de Miami de origem porto-riquenha. Estourando nas rádios da Flórida, a música ficou 14 semanas em primeiro lugar no top 100 dos EUA e até hoje toca em festas de casamento no mundo todo, nessa versão remixada que mostra a força da house music latina 90s.

 

Coletâneas CD-Mix era mania de selos e revistas

Em 95 a !K7 iniciou sua série de coletâneas “DJ-Kicks”, compêndio que até hoje segue como boa passada a limpo da curadoria de artistas e DJs. Em 96 o selo lançou mixes de Carl Craig, Claude Young, Kruder & Dorfmeister e Stacey Pullen. No mesmo ano nasceu a Global Underground, selo de figurões do trance e do house prog em mix series em CDs, gravadas ao vivo em cidades globais. Começou em 96 com Tony de Vit em Israel, e em 98 Nick Warren fez sua versão em SP. Revistas da época como Mixmag, DJ Mag e a brasileira DJ Sound traziam CD-Mixes promocionais encartados; clubes como a Overnight faziam o mesmo.

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Sepultura, Planet Hemp e Chico Science

Num ano marcado pela morte trágica dos Mamonas Assassinas, outras três bandas nacionais também tocavam no discman da moçada. O Sepultura revolucionou suas estruturas com “Roots”, levando percussividade xamânica ao metal gore; o Planet Hemp queimava tudo até a última ponta num rap rocker pioneiro na luta pela legalização da erva; e Chico Science & Nação Zumbi pintavam a afrociberdelia do Mangue Beat, movimento pernambucano que ficou baqueado com a triste morte de Chico num acidente de carro no começo de 97.

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Hinos com um pé no under, outro no mainstream

Em 1996 muita dance music foi catapultada ao sucesso global, mas isso não significou que muitos desses artistas viraram figurões eternos do porte de Chemical Brothers. Algumas faixas daquele ano tocaram bastante em rádios dançantes, em clubes, raves, na MTV e, com o olhar do tempo, marcaram bem as construções das musicalidades dançantes de 1996. CJ Bolland e Meat Beat Manifesto brincaram de big beat roqueiro, Josh Wink catapultava em álbum o hit “Higher States of Consciouness”, e Faithless e Robert Miles soltaram hinos do trance que tocam até hoje: “Insomnia” e “Children”.

 

Não tinha pra ninguém: o hip hop dominava

Nas, LL Cool J sampleando Grace Jones, o gospel dramático do Bone Thugs N Harmony, Coolio, a estreia de Jay-Z destacada como álbum do ano pela Rolling Stone, o premiado álbum “The Score” do Fugees, que você tem até hoje em casa, além das tretas de 2pac e Notorious B.I.G., figurões que acabaram ambos assassinados a bala, todos são narrativas e provas de um ano que fez da cultura hip hop quase um sinônimo de todo o pop em si.

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Cuecas foram meladas com tanto romance

Antes do cinismo dos anos da Internet, em 96 havia ainda muito romance com o R&B e canções românticas dominando paradas globais com rasgações sentimentais. A Adele da época, qualquer peido de Mariah Carey fazia sucesso; Toni Braxton, que faliu e sumiu, era mais sensual e tinha clipe tipo novela; Céline Dion era tema de filme romântico com Robert Redford; R. Kelly queria voar e Boyz II Men plainava nos charts, todos ecoando por aqui em FMs populares, na MTV, em trilhas de novela e telemensagens amorosas por telefone.

 

O grunge seguia vivo

Kurt Cobain se matou em 94 e acabou com o Nirvana, emblema-mor do grunge. Mas esse movimento roqueiro americano seguiu prolífico em 1996, com lançamentos de sucesso como o acústico do Alice in Chains, outro álbum do Pearl Jam (banda que, no fim das contas, foi a mais produtiva do grunge), o fenômeno Stones Temple Pilots, o Soundgarden num peso mais leve (e não menos exitoso) e o derradeiro disco do Screaming Trees. É dito que o grunge não resistiu ao rótulo “post-grunge” a partir de 97 e sucumbiu.

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Vivendo la vida clubber

A música eletrônica estabelecia-se em São Paulo e outras capitais do Brasil, e éramos clubbers, cybermanos e amantes de todas as expressões culturais que existiam em torno da música eletrônica. Com o sucesso do Hell’s Club na capital paulista e os clubes dos subúrbios, com raves pipocando mata adentro, o Mercado Mundo Mix como plataforma fashion da coisa toda, piercings (muitos piercings), a difusão de termos (e da aceitação) GLS, ser clubber não era só curtir música eletrônica, era um estilo de vida. “Breathe”, do Prodigy, talvez seja um grande emblema musical desse momento.

Keith Flint, vocalista do Prodigy, era o template básico do clubber mais punk e dos cybermanos

Keith Flint, vocalista do Prodigy, era o template básico do clubber mais punk e dos cybermanos

 

Nova temporada de girl e boybands

Muitos que leem essa retrospectiva eram adolescentes em 1996, e certeza se entusiasmavam com o pop divertido e romântico de três bandas de meninos e meninas lindas que tornaram-se fenômenos globais. As Spice Girls, do Reino Unido para o mundo, batiam marcas e cifras que batiam de frente com os Beatles. Nos EUA, rapazotes bonitos confeccionavam capa de fichários das meninas e deixavam garotos confusos ainda mais confusos com o breakthrough em 96 de Backstreet Boys e N’Sync. Muitas das bases dos hits dessas bandas eram pastiches de house music e R&B.

 

A baba das rádios e dos passinhos

Ainda não havia o acervo da Internet, então quem curtia dance music aqui no Brasil em 96 era muito ligado ou influenciado por muito do que tocava nas FMs. Havia pencas de poperô sendo lançado e animando rodas de passinhos no bairro. La Bouche todo mundo lembra, passou até no Faustão; Ace of Base seguia na boca do povo; Planet Soul veio mais ghetto com o hit “Set u Free”; Angelina e Lina Santiago foram minas de um hit só; breguices como No Mercy pipocavam e o martelão rápido e pesado do hard house inspirou hits de pistas e FMs como “Stomp”. E tudo bem mixado com tracks de Flash House, um rótulo para a releitura de músicas antigas dançantes aqui no Brasil. Que saudades!!

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