Conheça Érica Alves, a diva dos sintetizadores que está dando um lindo tapa na cara do machismo

Claudia Assef
Por Claudia Assef

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Uma das artistas mais interessantes do recente cenário de música eletrônica brasileiro, a carioca Érica Alves está num momento bem especial da carreira. Acaba de lançar o primeiro álbum de sua banda, The Drone Lovers, que ela divide com o DJ Davis e o produtor Pedro Zopelar, embarcará em breve para a Red Bull Music Academy (que rolaria em Paris, mas foi adiada devido aos atentados e vai acontecer em Montreal) e tem planos de lançar um álbum solo ainda em 2016.

Além de seus projetos como artista, Érica tem compartilhado seus conhecimentos de sintetizador nos encontros Synth Gênero, oficinas de iniciação em produção de música eletrônica para mulheres idealizado e realizado por ela desde outubro de 2015.

Feminista atuante, ela pensou numa forma de aumentar a visibilidade das mulheres produtoras no meio da música eletrônica, ajudando a capacitá-las. “O mote principal da ação é fortalecer e organizar mulheres que estão no meio ou que queiram entrar para combater a principal constatação dos curadores dos eventos que contratam quase exclusivamente DJs e live performers homens: a de que não há mulheres no mercado fazendo música boa. Há também um esforço ativo de buscar mulheres que normalmente não teriam acesso a equipamentos de produção musical e também chamar mulheres negras e LGBTs para participarem”, diz Érica.

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Em São Paulo, a sede da oficina fica no Espaço da Rosa Latino Americana, um centro de referência para feministas envolvidas na luta por justiça social. Neste sábado (19), rola um Synth Gênero, a partir das 15h, e as interessadas devem se inscrever por e-mail mediante um pedido de contribuição voluntária de R$ 10.

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Antes disso, na sexta (18), Érica se apresenta no Happy Hour Music Non Stop no Mirante 9 de Julho. O evento é gratuito e começa às 18h com DJ set de Claudia Assef. O live da Érica Alves começa às 20h.

Com tanta coisa pra falar, o Music Non Stop foi bater um papo com essa moça, que além das coisas legais que ela faz profissionalmente, é tão festeira quanto a gente aqui. Vamos à entrevista.

Music Non Stop – Quem foram os primeiros artistas que te levaram a querer aprender música?

Érica Alves – Olha, não lembro ao certo, mas tenho lembranças de fritar em Beethoven e Mozart desde criancinha, e queria ser uma grande compositora como eles. Minha mãe tinha uma mixtape com a 5a sinfonia de Beethoven, Chariots of Fire de Vangelis e o tema de Flashdance em seguida. Achava o máximo essa fita e penso que muito do que gosto hoje vem dessa compilação. Mas, mais do que os artistas, foram os instrumentos com os quais eu entrei em contato. Ter um órgão elétrico valvulado em casa durante a infância foi mais importante pra eu começar a querer tocar do que o que eu ouvia de fato.

Music Non Stop – Seus pais sempre te incentivaram, eles tocavam também?
Érica Alves – Meus pais me incentivam muito mesmo, mas não tocam. Minha avó que vem de uma família que curte fazer um som, e ela tem uma voz linda! Ela mesma queria ser cantora da Rádio Nacional e chegou a ir até o Rio de Janeiro na década de 50 pra tentar a sorte. Pena que ela não conseguiu chegar até a sede pra audição, ela sofreu um acidente ao descer da barca na Praça XV e teve que voltar pra sua cidade, Bom Jardim, no interior do Rio, e casou logo em seguida. Depois ela e meu avô se aventuraram em produzir alguns shows em Nova Friburgo, ela conta que conseguiram levar os Trapalhões pra lá, e ficaram todos hospedados na casa dela! Até hoje ela me liga pra dar umas dicas, já até fez um jabá e colocou minha música pra tocar numa rádio em Friburgo!

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Music Non Stop – Conta um pouco da adolescência, você começou a sair com que idade, tinha boates legais pra ir?

Érica Alves – Eu comecei a curtir esse lance de festa desde pequena, minha família sempre foi em festas, sempre fez festas. Eu fazia showzinho de lambada com 4 aninhos kkkkkk. O aniversário de 15 anos da minha irmã foi do caralho, lembro até hoje! Minha escola nos Estados Unidos fazia baile todo fim de ano. Mas minha primeira baladinha mesmo foi num lugar chamado Manray, em Pompano Beach, Florida. Rolava uma noite brasileira lá em 1999/2000 e fui umas duas vezes com a família e amigos quando eu tinha 12/13 anos. Lembro de ouvir Ana Julia pela primeira vez lá, mas eu me acabava mesmo no Axé. Depois, quando fui morar em Niterói, eu ia muito nas festinhas do AABB, do Clube Naval, do Compinter, que podia ir adolescente. Eu gostava das pistas de trance kkkkk Com 15 anos eu já tinha essa carinha de adulta, então entrava fácil nas boates de gente grande, eu frequentava os extintos Acrópole e a Tonteria também, que tocavam mais eletrônico e hip hop.

Stripped Sessions com Érica Alves – Beautiful

Music Non Stop – Música e feminismo, como você une esses pontos?
A música precisa de muito feminismo! Como tem uma parte técnica muito forte, a produção é muito associada à masculinidade ainda

 

Music Non Stop – Estamos longe de ter uma situação de igualdade entre homens e mulheres, especialmente no campo profissional. O que pode ser feito pra melhorar esse quadro?

Érica Alves – Eu sou a favor da auto-organização das pessoas que se identificam como mulheres para que lutemos por visibilidade enquanto produtoras e artistas, melhores condições de trabalho, cachê igual e uma rede de apoio forte e núcleos de formação em produção musical e apresentações. Só um movimento de base forte e consciente consegue furar o bloqueios do machismo estrutural na música.

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Music Non Stop – O que te inspira a fazer música hoje?

Érica Alves – A vida me inspira, seus desafios, meus instrumentos, minhas falhas, a vontade de inspirar outras mulheres a fazerem música também. O amor e seus percalços <3

Music Non Stop – O que você anseia encontrar na RBMA em Montreal?

Érica Alves – Anseio encontrar a Grimes, Leonard Cohen e Neil Young!! (ahh será?) E claro, reencontrar os colegas da edição de Paris que não foi, colaborar com muitos artistas e aprender melhor a mexer na Octatrack e outros equipamentos. Queria focar também em pós-produção, aprimorar minhas mixagens.

Music Non Stop – Como são suas aulas no Synth Gênero?

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Érica Alves – Não são bem aulas, creio. Eu disponibilizo os equipamentos para as minas mexerem, fazerem perguntas e ficarem à vontade. Começo sempre com uma introdução, claro, mas tento ser bem breve. Pra próxima, quero abrir com um trecho de um doc sobre as origens da house, acho que pode vir como alívio pra quem ainda acha que é uma coisa erudita, alemã, inatingível para a maioria das mulheres brasileiras. É muito inspirador saber que tanto a house de Chicago quanto o techno de Detroit nasceram de gente da classe trabalhadora, em sua maioria negra e com muitos LGBTs, nessas cidades meio pós-apocalípticas e caóticas como São Paulo.

Music Non Stop – Vc acha que algumas atitudes masculinas podem ajudar na luta pela igualdade entre gêneros?

Érica Alves – Claro! Os homens podem e devem se aliar a essa luta, abrindo espaço para mulheres nos line-ups das festas, cedendo lugar para a gente quando perceberem que o ambiente está masculino demais, sem que isso seja o tema da noite, tipo “mulheres tocam” ou “girls night”. Quero derrubar esse pensamento de que para que mulheres toquem, o conceito da festa tem que ser algo relacionado ao fato de sermos mulheres tocando, saca? O equilíbrio de gênero tem que vir antes do conceito, tem que ser estrutural. Quero que festas e festivais com line-ups de maioria homens sejam considerados uma coisa bizarra por todos daqui a um tempo. Que a gente olhe pra trás e digamos coisas tipo: “nossa, antigamente a cena era super segregada, tinha muito poucas mulheres tocando”. Sem homens com consciência de gênero se aliando a nós, influenciando curadores e empresários a saírem da zona de conforto, fazer trabalho de campo pesquisarem para bookarem pelos menos metade da noite com talentos femininos (com cachê igual ao dos homens), fica muito mais difícil pra gente conquistar nosso espaço.

Music Non Stop – Lista um top 5 de músicas que você ama, de todos os tempos.

Érica Alves – Não sei, mas chuto essas que vieram à cabeça agora

1 – Karma Police – Radiohead

2) Joga – Bjork



3) Makeshift Swahili – This Heat

4) Triste Bahia – Caetano Veloso

5) The Fall – Cibelle

ÉRICA ALVES NO HAPPY HOUR MUSIC NON STOP
Sexta, 18, das 18h às 21h30
Mirante 9 de Julho (rua Carlos Comenale s/n, atrás do MASP)
Grátis

SYNTH GÊNERO
Sábado, 19, a partir das 15h
Espaço da Rosa Latino Americana (rua Santo Antônio, 1025 A, Bixiga)
Inscrições através do email ericacaa@gmail.com
Contribuição: R$ 10

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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