O time olímpico

Falamos com o Spetto, VJ à frente da equipe que projetou para 3 bilhões de pessoas na abertura das Olimpíadas do Rio: “rigor foi científico-militar”.

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Foi lindo. Foi intenso. Foi brasileiro. Foi poderoso.

rio2016-fireworks

A abertura dos Jogos Olímpicos no Rio foi tipo fodástica, e o mundo todo se emocionou. Teve quem tenha suspirado de alívio, teve quem dissesse: “eu já sabia”. Mas fato é que, sob o comando geral de Fernando Meirelles, Andrucha e Daniela Thomas, o Brasil por algumas horas foi aquilo que todos nós sempre sonhamos: um país lindo, miscigenado, musical, tolerante, empoderado e… organizado!

Além de momentos que trouxeram uma lágriminha nos olhos, como a entrada triunfal de Lea T, o desfile de Gisele, o voo do 14 Bis, as aparições de Elza Soares Karol Conka, Caetano e Gil (debilitado, mas presente!) cantando com uma Anitta que não fez feio, uma coisa que fez os olhos saltarem foram as projeções.

Foi incrível ver o Maracanã se transmutando através dos 2 milhões e 400 mil ansi lúmens que configuraram a maior audiência que um time de VJs já teve: 3 bilhões de espectadores no mundo todo. A convite do diretor Fábio Soares, o VJ Spetto foi o responsável por montar a equipe de artistas visuais que trabalharam na abertura.

Ainda sob os efeitos de terem feito uma das festas mais lindas que o planeta já viu, o VJ Spetto bateu um papo com o Music Non Stop.

O time olímpico

O time de VJs responsáveis pelas projeções da Cerimônia de Abertura da Rio 2016, com Spetto (de óculos) à frente

Music Non Stop – Quanto tempo vocês levaram pra criar as projeções da cerimônia de abertura? Quantas pessoas havia na sua equipe?

VJ Spetto – Eu entrei nesse projeto cerca de oito meses atrás a convite do diretor Fábio Soares, da 808. Ele mesmo já tinha entrado bem antes. É um trabalho que teve um longo planejamento, cuidado nos detalhes e extrema elaboração. O Fábio me pediu para montar uma equipe de artistas visuais. Foi então que selecionei o time que considero um barco pirata, profissionais que fazem e sabem fazer sob pressão: os VJs Erms, Robson Victor e Thomás Mena, membros dos United VJs. Este time começou a trabalhar em março e, mais tarde, já em maio, tivemos a entrada de mais um membro na gangue: o Henrique Delgado, nosso homem no Smoke/Flame.

Ilha de trabalho do Spetto

Ilha de trabalho do VJ Spetto

Music Non Stop – Qual foi o maior desafio ou dificuldade?

VJ Spetto – O desafio sempre foi criar o melhor trabalho que pudesse ser feito. Logo no começo, eu disse para a minha equipe: se concentrem, afinal é o trabalho de vossas vidas. Pois não conheço muitas pessoas que tenham feito os Jogos Olímpicos. É uma oportunidade única de trabalhar com pessoas do mundo inteiro, com os “medalhas de ouro” de todas as áreas artísticas.

apresentação

Music Non Stop – Em que momento vocês viram que ia ficar maravilhoso?

VJ Spetto – Logo de cara já dava para saber, tive um time de notáveis como diretores. O que dizer de trabalhar com a genial Dani Thomas? Ou o Andrucha, o cara que sabe o real mood da brasilidade? Ou o melhor diretor de cinema do Brasil, o Fernando Meirelles? Débora Colker, a nossa Pina? E o Fábio Soares, o prodígio que virou o grande diretor de conteúdo? Com um time desses fica difícil errar. Era como entrar em campo com o time de 70. Mas, tirando isso, teve um dia na montagem que o chefão de projeção me chamou, o Patrice Bouqueniaux, para checar o alinhamento dos projetores. Eu fui praticamente o primeiro brasileiro a ver o alinhamento sendo feito. A hora que eu vi os 2 milhões e 400 mil ansi lúmens projetados, ainda com as linhas de teste, eu pensei: vai ser foda. Numa conta rápida tínhamos de 400 a 800 lux no gramado. Quem conhece projeção sabe do que estou falando. É uma chapuletada de luz que nem o mais impertinente iluminador consegue varar (meus amigos iluminadores vão me matar agora – risos!)

Teste de projeção

Teste de projeção

Music Non Stop – O que vai ficar como legado desse trabalho?

VJ Spetto – Para mim, o know how que adquiri. Aprendi mais em 4 meses do que em 20 anos de projeção. As técnicas que aprendi com o chefão da ETC, o Patrice, e com o Yan Kalmakis, são revolucionárias. Aprendi que a projeção deve ser tratada de forma orgânica, e que o mais importante é o controle das sombras. Tanto que desenvolvi um efeito único, inédito, que foi a rotação das sombras via software. Isso nem os franceses esperavam que fosse possível. O Patrice um dia me disse: você inaugurou um novo jeito de controlar as sombras. Fazer o quê, sou de Santos, lá a gente costuma criar coisas novas o tempo todo. Agora, para o país, acho que conseguimos resgatar o orgulho de ser brasileiro, mesmo que fosse numa noite de Cinderella. “We could be heroes”, mesmo que seja “just for one night”. Essas notícias, esses acontecimentos que a nossa imprensa (marrom) vive querendo nos empurrar, só serve para baixar o moral de um grupo. Esses caras não passarão. Nossa história é muito maior, nosso povo é muito mais rico e não precisamos desses caras pra nada. Portanto acho que esse é o maior legado: lembrar aos brasileiros de que eles são grandes pela própria natureza. O Brasil é apaixonante.

Uma das torres de projeção

Uma das torres de projeção

Music Non Stop – No quesito organização de eventos, onde você diria que o Brasil está em relação ao resto do mundo?

VJ Spetto – Acho que nem precisamos comentar que o Brasil é um país global, né? É claro que o “jeitinho” ainda estraga muita coisa, atrasa, mas nesse evento em específico adotamos uma governança de padrão internacional. Rigidez nos processos, nos prazos e nas técnicas, nada de deixar alguma coisa pra amanhã, e nesse sentido o Fábio Soares nos impôs um nível de execução de outro mundo, quase científico-militar. E o resultado é o que 3 bilhões de pessoas viram. Moral: quando se organiza direito, sem corruptelas ou jeitinhos, tudo dá certo.

Music Non Stop – O que você diria aos haters que estava torcendo tanto pra ser um fracasso?

VJ Spetto – Estudem para fazer melhor. Leiam o dobro de livros e tenham o quíntuplo de atitude. Camarão que fica parado a onda leva. Assistam a Festa de Babeth, talvez consigam se enxergam em alguns dos personagens desse excelente filme. E caso ainda continuem de mimimi, só me resta repassar os ensinamentos de Deise Tigrona: “Aqui pra vocês!”.

rio2016-dancers

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

× Curta Music Non Stop no Facebook