Mestre da dance music no rádio brazuca volta online

Claudia Assef
Por Claudia Assef

O ritmo frenético da locução de Julinho Mazzei virou sua marca registrada

Quando a internet era apenas um sonho de estudiosos e o Brasil vivia isolado do resto do mundo por bloqueios políticos às importações, Julinho Mazzei era uma espécie de Deus para quem queria consumir música nova. Nos anos 80, ele virou referência no FM brasileiro, comandando programas que influenciaram 10 entre 10 DJs que estavam se formando naquela época. Direto de Nova York, ele traduzia para o público tapuia, ávido por informação, tudo o que havia de relevante musicalmente na dance music, no comando de programas como os históricos “Big Apple Show” e “New York Express”.

Misturando inglês e português num ritmo de locução frenético, ele fez escola e transformou a cadeira de disc-jóquei de rádio num posto aspiracional para qualquer DJ. Julinho passou por inúmeras rádios brasileiras, da Antena 1 a Jovem Pan, passando pela histórica Pool FM, que nos anos 80 ousou em focar a programação nos DJs.

Julinho no topo de um prédio em NY, de onde apresentava o Big Appel Show

Agora ele volta ao rádio, só que com uma emissora online, totalmente comandada por ele, a Radio Blog. Direto de Miami, esse verdadeiro ídolo dos DJs brasileiros falou com o TODO DJ JÁ SAMBOU sobre como um brasileiro venceu na Nova York dos anos 70, entre outras cositas más. Antes de começar a ler a entrevista, aproveita para sintonizar na Radio Blog por aqui.

TODO DJ JÁ SAMBOU – Muitos DJs falam que aprenderam muito sobre música eletrônica e mixagens ouvindo você no rádio. Você tem noção que é um ícone para caras como Marky, Renato Lopes, Mau Mau etc?
JULINHO MAZZEI – Estou honrado em saber disso! Principalmente vindo de profissionais tão especiais e importantes como Marky, Renato e Mau Mau. Sou um grande fã e admirador do traballho deles. Como um dos que viram o movimento da dance music nascer no Brasil, fico muito orgulhoso de ver onde os nossos DJs chegaram. O Brasil evoluiu muito musicalmente e hoje temos DJs sensacionais, entre os mais criativos e respeitados do mundo! Fico muito feliz em saber que de alguma maneira contribuí para esse grande sucesso.

TODO DJ JÁ SAMBOU – Você se mudou para os EUA em 1975 e foi trabalhar na rádio KTU, de Nova York. Como rolou de começar a fazer o Big Apple Show?
JULINHO MAZZEI – New York na época era o grande centro musical do planeta. A idéia de produzir e apresentar um programa onde pudesse mostrar tudo aquilo que estava rolando lá veio de uma forma muito natural. Naquela época era muito dificíl de conseguir os discos, e a informação era muito lenta. O Big Apple Show foi um programa criado no momento e no lugar certos. Desde que pisei pela primeira vez em New York, fiquei apaixonado pelas rádios e pelo estilo de apresentanção dos locutores locais – rápidos, dinâmicos, precisos, sinpáticos, alegres e sempre usando as músicas como bases de informaçção. Isso sempre me chamou a atenção. Comecei então a imitá-los, misturando o português e o inglês e com isso pude criar o meu estilo que todos conhecem hoje e que até hoje imitam..rs.

O estúdio montado no apê, que servia de base para o Big Apple Show

Comprei um equipamente completo e começei a produzir o programa. Fazia ele do meu quarto. Ná época eu morava num prédio muito alto no East Side e do meu estúdio eu podia ver toda a cidade pela janela. Aquela vista maravilhosa me inspirava muito a gravar os programas para o Brasil.

TODO DJ JÁ SAMBOU – Você foi um dos caras que começaram com os remixes no Brasil. Hoje qualquer um com um software de produção consegue remixar uma música. O que acha dessa facilidade que a tecnologia trouxe?
JULINHO MAZZEI – Realmente, a tecnologia facitou muito o trabalho. Na minha época, o que demorava dois dias pra fazer, hoje faço em uma hora! É maravilhoso editar hoje em dia e ter toda essa nova tecnologia à disposição. Além disso, ela se tornou relativamente barata e muito acessível e com isso muita gente hoje tem a chance de criar seus próprios projetos. Isso é maravilhoso e abre novas oportunidades para uma nova geração de DJs, artistas, remixers e produtores. Hoje todos têm as mesmas ferramentas para criar.

TODO DJ JÁ SAMBOU – Você foi coordenador da Pool FM, uma rádio que marcou para muita gente. Como foi trabalhar num nicho tão “exótico”, que era o dos DJs, nos anos 80?

JULINHO MAZZEI – A Pool foi uma rádio muito especial, um ninho de talentos que gerou uma enorme quantidade de profissionais. Muitos deles nasceram lá e atuam com enorme sucesso em diversas áreas. Existem hoje execelentes programadores, locutores, produtores/remixers e DJs que foram praticamente descobertos e “lapidados” na Pool.

A minha função lá era, além de ter criado todo o estilo da rádio, plástica e programação, de também coordenar toda aquela equipe maravilhosa. Confesso que não era fácil!! Foi realmente uma época muito especial onde todos nós estávamos fazendo história sem saber. Os DJs chegavam lá, e colocávamos eles dentro do estúdio para ensiná-los a editar e criar seus próprios remixes. Abrimos espaço para muita gente nova. A Pool era um laboratório musical! Uma rádio pioneira, livre, democrática e inovadora. Acho que nunca mais teremos uma igual… espero que esteja errado quando falo isso. Que possam vir mais “Pools” por aí abrindo espaços, oportunidades para todos que tenham talento, e trazendo um bom conteúdo muisical e informativo.

Julinho na versão 5.3 bem feliz no comando da sua Radio Blog

TODO DJ JÁ SAMBOU – Como um brasileiro conseguiu se estabelecer musicalmente na Nova York dos anos 70?

JULINHO MAZZEI – Nova York nunca foi uma cidade fácil de viver ou trabalhar. Mas, ao mesmo tempo, sempre abriu portas para aqueles oportunistas com idéias novas e uma certa visão de mercado. Eu fui um deles! Aproveitei uma brecha que ninguém estava explorando na época – a de levar ao Brasil pelo rádio todas as maravilhas que estavam acontecendo. Veja bem, naquela época não existia a internet! Era um outro mundo, e a informação demorava muito pra chegar a outros lugares. Pra você ter uma idéia, fui eu que dei a notícia da morte do John Lennon em primeira mão para o Brasil, pelo simples fato de estar perto da área onde o assasinato ocorreu. Como só tinham dois telefones públicos disponíveis no quarteião do Dakota (lembre que os celulares ainda não existiam), demorou quase quatro horas para poder ligar para a central de jornalismoda Rádio Jovem em SP para dar a notícia no ar. Se isso tivesse acontecido hoje, a história seria bem diferente. Era um mundo mais lento em tudo.

Os anos 70 foram brilhantes musicalmente. Um berço dourado de estilos e fusões. A música estava literalmente no ar em todos os lugares daquela cidade. Uma loucura mesmo. Foi graças à música que consegui viver naquela selva de pedra maluca, musical e maravilhosa por muitos anos.

No estúdio da 95 FM, em Santos

TODO DJ JÁ SAMBOU – Você está tocando uma rádio online, a Radio Blog, conta um pouco como rolou?

JULINHO MAZZEI – A Radio Blog sempre foi um grande sonho meu, e agora com a chegada e a popularização da banda larga, redes de wi-fi e outras novas tecnologias, o sonho se tornou uma realidade. Hoje seria quase impossível pra mim ter uma rádio convencional. O custo operacional é muito alto. Por outro lado, uma rádio online tem um custo bem menor e uma penetração muito maior! Com a chegada da banda larga, hoje todos podem ouvir não só em seus computadores como também em diversas redes de celulares. A maioria da audiência da Radio Blog vem de acessos diretos através de celulares.

A idéia de criar a RB aconteceu há dois anos. Estava cansado de gastar meu precioso tempo e talento trabalhando para outras pessoas e, como a vida é muito curta, tomei a importante decisão de seguir em frente “voando solo” e focando o meu tempo e energia no que eu mais amo fazer: rádio!! Acho que nesta vida a gente tem sempre que seguir o que o coração pede. Sempre tive essa enorme vontade de ter a minha própria rádio onde pudesse ter um controle total da coisa. Trabalhei em muitas rádios, mas nunca tive a liberdade de falar ou tocar o que realmente queria. Por muitos anos estive preso a regras e estilos determinados pelas empresas em que trabalhava. Agora não!! A Radio Blog é o meu grito de independência, um espaço onde finalmente posso expressar livremente todas as minhas as emoções falando e tocando o que eu quiser. A mesma coisa acontece com toda a equipe da RB. Todos aqui são livres para expressar seus sentimentos. É uma rádio democrática. A Radio Blog é o nosso canal de expressão, onde todos participam com suas idéias e sugestões.

O cara certo no lugar certo = mucho dinero!

TODO DJ JÁ SAMBOU – Hoje com tanta informação solta pela internet ainda dá para fazer algo tão marcante quanto o Big Apple Show?!
JULINHO MAZZEI – O Big Apple Show foi um programa que rolou numa época onde a informação musical demorava pra chegar ao Brasil. Estar transmitindo um programa ao vivo daquela cidade pra o Brasil era como hoje alguém estar transmitindo um programa de Marte….rs, era uma loucura!! As pessoas não entendiam direito como aquilo era possível. Todos no Brasil estavam com sede de informação e não tinham como conseguí-la. O programa entrou com essa missão, de levar ao público informação rápida e interessante.
Sempre existirão novas pessoas com novas idéias e tenho certeza que outros programas marcantes também surgirão ainda mais agora que temos todas essas ferramentas tecnológicas à nossa disposição. Hoje só não cria quem não quer! Que venha essa nova geração de profissionais e programas turbinados cheios de bom conteúdo musical e falado.

Julinho à frente da Pool FM, rádio que se especializou em dance music

TODO DJ JÁ SAMBOU – Os DJs de rádio foram fundamentais na história da profissão, mas talvez nem todo mundo se dê conta disso. Você ressente não ser tão reconhecido pelo grande público quanto um DJ de clube, por exemplo?
JULINHO MAZZEI – As rádios em geral abriram enormes portas para os DJs. Foi e continua sendo uma grande vitrine para mostrarem seus trabalhos. Em Nova York, por exemplo, grandes DJs foram descobertos no rádio!! John “Jellybean” Benitez, Tony Humphries, Carl Cox, Tony Moran, Little Louie Vega… nossa! Existe uma lista grande deles. DJs que hoje viraram ícones, verdadeiras lendas vivas e tudo porque o rádio abriu portas para que eles podussem expressar seus talentos. Hoje em dia isso ainda existe, mas a gente sabe que muita coisa mudou. Os grandes festivais e eventos especias rolando pelo mundo servem agora como a plataforma ideal e mais direta deles se promoverem. Um grande exemplo disso é o Winter Music Conference, aqui em Miami. Todos os anos milhares de pessoas, produtores, donos de gravadoras, fabricantes de equipamento e investidores chegam aqui para ver as “estrelas” em ação e também conhecer a nova geração de DJs/produtores/remixers, que aproveita o evento para mostrar seus trabalhos.

Tuta Aquino e Julinho: dupla que ajudou a popularizar a dance music no Brasil

Hoje em dia eu sou muito mais conhecido como um cara de rádio do que um DJ! Apesar de mixar no ar e tudo o mais eu tenho me dedicado mais à produção e ao microfone… mas sempre que tenho uma oportunidade de mixar faço com o maior prazer e alegria. Não existe nada melhor do que estar cara-a-cara com o público recebendo toda aquela energia maravilhosa da pista.

TODO DJ JÁ SAMBOU – Você é um dos caras mais citados no livro Todo DJ Já Sambou, sabia?
JULINHO MAZZEI – Fico muito honrado com isso. Muito obrigado meus queridos DJs que amo e respeito tanto por não terem esquecido de mim!..rs

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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