Brasil terá sua primeira fábrica de fitas K-7 operando em São Paulo, yes!

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Não é de hoje que tem vários selos independentes malucos o suficiente para terem voltado suas atenções ao mercado de fitas cassete. Nos EUA, tem o Orange Milk e Orchid Tapes, entre muitos outros. Na Inglaterra, o Tesla Tapes é um dos mais prolíficos. No Brasil? Temos também: o Maww Records (do produtor e geniozinho da recente geração de live PAs, Pedro Zopelar) e o Beatwise Records, ambos de São Paulo, resolveram investir nesse formato, sem ligar pro fato de que o Brasil há muito tempo deixou de ter uma fábrica de fitas.

Daí que este vídeo que começou a circular dias atrás nos deixou desmaiados aqui no Music Non Stop. Dá uma olhada.

Trata-se de imagens em primeira mão da recém-comprada copiadora de cassetes da fabricante americana Kaba Research & Development. Essa belezinha é capaz de gravar 100 fitas por hora com altíssima qualidade. A máquina foi comprada pelo estúdio de gravação Flapc4, em São Paulo, que em breve irá fabricar cassetes e oferecer também um formato de masterização específico para essa mídia.

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Uma notícia bombástica como essas merece a atenção de todo e qualquer music freak e motivou a entrevista que você vai ler abaixo com o um dos sócios do estúdio, Luis Lopes. Ao lado do sócio Fernando Lauletta, Luis mantém desde 2005 o FlapC4, um estúdio no Bexiga onde são gravados na maior parte do tempo artistas independentes, mas que já serviu de base para registros de artistas como Emicida, Rashid, Nx Zero, Kamau, Projeto Nave, entre outros.

Music Non Stop – Como surgiu a ideia de investir no formato de fitas cassete?

Luis Lopes – Esse nosso estúdio tem um conceito diferente. Eu e meu sócio somos apaixonados por equipamentos vintage, quanto mais antigo melhor pra gente, então tudo roda em torno desse conceito. A gente usa microfones e todos equipamentos de estúdio das décadas de 50, 60, 70, 80 e conseguimos juntar uma coleção bem extensa caçando relíquias esquecidas por outros estúdios que fecharam ou se modernizaram. A gente compra esses equipamentos parados há 30, 40 anos e começa um trabalho de restauração com alguns técnicos especializados. Em alguns casos a gente até manda pra fora do Brasil pra que essa restauração seja mais fiel e mantenha a originalidade das peças. O duplicador de cassetes é o nosso novo projeto.

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Music Non Stop – Vocês acabaram de comprar uma copiadora de cassetes da Kaba Research & Development. O que isso significa em termos práticos, que tipo de serviço vocês poderão oferecer?

Luis Lopes – Tudo começou porque aqui no estúdio tem uma sala que é um QG dos beatmakers do selo Beatwise Records, já faz uns dois anos que eu via esses meus amigos sofrendo na duplicação das fitas que eles lançam pelo selo, o trabalho deles era muito artesanal e bem demorado. Como a maioria dos selos que opta por essa mídia eles duplicavam uma fita de cada vez, então demorava uma hora por cópia e, como faziam isso no tempo livre ou entre um beat e outro, as copias demoravam meses pra atingir uma pequena tiragem.

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Nesses anos, a gente procurou muito uma duplicadora que fizesse mais cópias simultaneamente, mas não tivemos sucesso porque apenas achamos máquinas para duplicação doméstica com baixa qualidade e poucas cópias por vez. Já tínhamos até desistido porque pra trazer uma maquina da Kaba de fora seria inviável pelo peso (320 quilos as duas que temos), taxa de importação e o dólar que subiu muito nesses últimos tempos.

Ai então um amigo nosso que trabalhou com a manutenção dessa nossa máquina encontrou uma parada em uma antiga fábrica e nos avisou. Compramos na hora que vimos o perfeito estado em que elas se encontravam. A Kaba é uma empresa da Califórnia que fabricou essas duplicadoras sem poupar recursos. Na época do lançamento (1985) elas custavam uma fortuna. Elas têm a parte mecânica muito robusta e são feitas para durar muito tempo .

Em termos práticos esses dois conjuntos que compramos nos possibilitam gravar 100 fitas por hora, bem diferente do jeito artesanal que a gente fazia antigamente pra Beatwise, que era uma fita por hora.

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Music Non Stop – Existe alguma fábrica de cassetes no Brasil?

Luis Lopes – Nós procuramos muito, mas não achei nada. Eu sei que tem uma na Argentina. O pior é que as fábricas que fecharam não guardaram os equipamentos, porque nunca consideraram a volta do formato. Então essas máquinas devem ter ido parar em ferros velhos.

Music Non Stop – Você acredita que esse mercado de cassetes possa ter a mesma evolução do mercado de vinis no Brasil?

Luis Lopes – Não acredito nisso, nem na mais otimista projeção eu enxergo uma onda de crescimento como a do vinil, apesar que a qualidade do cassete pode sim ultrapassar a do vinil se você tiver um player muito bom como os Nakamichi (cassette player japonês de alta fidelidade). O cassete muito bem gravado e muito bem reproduzido pode ter uma curva de resposta mais até do que um CD player de qualidade inferior. Eu não vejo como competir com o disco de vinil, mas mesmo assim vejo um mercado enorme pro cassete porque o custo do vinil é ainda muito alto e às vezes para um fã que quer comprar um item exclusivo do artista que ama o cassete cabe melhor no bolso.

Music Non Stop – Vocês têm sido procurados por selos nacionais?

Luis Lopes – Ainda não começamos a produzir, estamos deixando as máquina perfeitas antes de tudo e como foi meio de surpresa a gente ainda está arrumando a sala em que elas vão ficar, porque precisa de ar condicionado 24 horas e cuidado extra com a umidade do ambiente. Mas eu pesquisei e me assustei até com a quantidade de selos nos Brasil que usam essa mídia, e a maioria deles segue na guerrilha de gravar fita por fita.

Music Non Stop – Você acha que os fabricantes de equipamentos ou importadoras irão se mexer pra disponibilizar tape decks no mercado?

Luis Lopes – Já existem muitas opções, desde os tape decks de audiófilos, que ainda são fabricados, até walkmans chineses de US$ 10. Os players estão bem acessíveis de preço, não vejo dificuldade pra adquirir

Music Non Stop – Existe alguma projeção de crescimento para esse mercado?

Luis Lopes – Eu acredito que sim, fora do Brasil vários artistas mainstream estão voltaram a usar esse formato, como o Metallica, que relançou sua demo-tape de 1982 apenas em cassete, com tiragem pequena. A fita está custando US$ 50, um preço bem alto, mas já está quase tudo sold out. Na Urban Outfitters você compra fitas relançadas pelo Madvillainy, Nirvana, JDilla etc  e até alguns álbuns novos de outros artistas.

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Eu acredito no formato porque ele nos obriga a ouvir música como antigamente, deixar tocar o álbum todo sem shuffle nem playlist. As fitinhas são tão legais que muita gente vai voltar a colecionar. Eu vi que a National Audio Company, que fica em Springfield e é a última fábrica de cassetes em larga escala do mundo, teve o melhor ano desde 1969, quando abriu e isso é bem animador.

Conheça a história da National Audio Company neste vídeo

Music Non Stop – Tem algum email de contato pra quem quiser orçar uma fita cassete com vocês?

Luis Lopes – Sim, contato@flapc4.com. Muito em breve já estaremos aceitando pedidos.

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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