Se hoje existe liberdade na arte é porque existiu David Bowie (1947-2016)

Claudia Assef
Por Claudia Assef

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Um ser humano como David Bowie não morre, sai elegantemente de cena. Nesta segunda (11), quando a notícia de sua morte deixou o planeta mais cinza, seu novo álbum, Blackstar, tinha apenas três dias de vida –  foi lançado na sexta (8), dia de seu aniversário de 69 anos.

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Com tamanha capacidade de manipular a si e a toda a mídia ao longo de tantos anos de carreira, bem que essa notícia da morte poderia ser um hoax inventado por ele pra promover um disco que tem como primeiro single uma música sobre a morte e ressurreição de Lázarus e que começa com a frase “Look up here, I’m in heaven”. Pra tristeza geral de todos nós, terráqueos, o Camaleão perdeu uma luta que travava silenciosamente contra um câncer e se foi.

David Bowie – Lazarus 

Sua última passagem pelo Brasil não teve sua presença física nem mesmo um show (ele se apresentou no País duas vezes, em 1990 e 1997), mas talvez tenha sido a maior oportunidade que seus fãs tiveram de se aproximar dele. Foi no início de 2014, quando a exposição David Bowie Is, sobre sua vida e obra, veio do museu Victoria and Albert e entrou em cartaz no MIS (Museu da Imagem e do Som), em SP.

Vendo de perto sua memorabília, que continha roupas, vídeos raros, sapatos, manuscritos e objetos íntimos, como a colherinha que usava pra consumir cocaína na fase em que viveu em Berlim, pôde-se ver o quanto Bowie foi importante para a libertação de tantas amarras e preconceitos da sociedade.

Fazer o que ele fez, do jeito que fez e na época em que fez fazem dele um ser à parte. Se hoje há espaço para qualquer transgressão muito louca realizada por algum artista atual é porque, antes, houve David Bowie.

Nos anos 60, enquanto o mundo pirava com a chegada do homem à Lua e a obra-prima espacial de Stanley Kubrick, 2001: Uma Odisséia no Espaço, Bowie fazia sua ode peculiar, retratando no álbum Space Oddity (1969) um astronauta que perdia contato com a Terra.

David Bowie – Space Oddity

Enquanto em 1979 estava todo mundo querendo ser John Travolta, Bowie lançava um clipe (Boys Keep Swinging) em que aparecia vestido de mulheres (sim, no plural) numa letra que aborda a masculinidade de uma forma irônica, quase uma resposta aos hinos gays YMCA e Macho Man, do Village People.

David Bowie – Boys Keep Swinging

Ou ainda enquanto todo mundo olhava para os punks e a era dos góticos começava a se desenhar, Bowie se vestia de pierrô e falava abertamente de seu vício em cocaína (Ashes to Ashes).

David Bowie – Ashes to Ashes

 

A roupa do clipe Ashes to Ashes, que fazia parte da exposição do MIS, foi um momento raro de uma quase intimidade com Bowie. Assim como o manuscrito da letra de Heroes, o terno azul da turnê Diamond Dogs, as calças e camisas dandy da fase Hunky Dory, o macacão absurdo Tokyo Pop feito em 1973 pelo designer Kansai Yamamoto para a turnê Aladdin Sane, talvez a peça mais impressionante entre as centenas de itens expostos no MIS.

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Isso sem falar nos famosos macacões colados, como o coloridíssimo e assimétrico sem ombro feito em tricô por Yamamoto (foram inúmeros os figurinos feitos por ele), que chocou geral por ser tão feminino e sexy.

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A genialidade de Bowie não tinha espaço para caretices como a rigidez de gêneros. Sua arte soberana, combinada com a estética ora feminina, ora andrógina e por vezes ultramasculina, ajudou a espalhar o conceito de que tudo e todos eram livres pra ser o que bem entendessem.

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Bowie foi o que quis ser quando quis ser e o mundo seria um lugar muito mais chato e quadrado não fosse por ele. Que sua música, sua obra, seu legado nos ajudem a enfrentar a vida na Terra sem nosso maior líder espiritual do que é ser cool e livre. Um começo puxado pra 2016. Bowie-se com fé.

E aproveite para ver o que Bowie estava fazendo com a sua idade, uma das febres mais recentes da internet em torno do Camaleão. É só clicar neste site e inserir quantos anos você tem. Na minha idade (41) ele estava fazendo o papel de Pôncio Pilatos no filme A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese.

Claudia Assef

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Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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