Clima quente e suor na Popporn @ Dick Bar – nov/2015 (Foto: Paixão/I Hate Flash)

A galera está tirando a roupa e transando nas festas queer mais descoladas do Brasil

Jade Gola
Por Jade Gola

A tradição é: sair na night, ver e ser visto, paquerar e, se os cupidos e a sorte estiverem inspirados, você ir embora com aquele alguém para dar uma amaciada na carne.

Mas esse roteiro manjado está mudando, ao menos em capitais brasileiras como São Paulo e Rio. A noite brasileira está vivendo uma safada onda de festas eróticas, nudistas e sexuais. Originadas essencialmente na cultura queer e em nossa época de diluição dos gêneros, essas festas misturam música, diversão, tetas, pirocas, performances, muita expressividade e o que mais você quiser botar pra fora. “É uma festa que você vai com as amigas, transa, e depois vai comer um cachorro quente. Não tem isso de conquistar alguém e depois ter que levar pra casa”, diz Thiago Roberto, idealizador da festa paulistana Popporn, talvez a mais emblemática e animada dessa nova “cena”.

Clima quente e suor na Popporn @ Dick Bar - nov/2015 (Foto: Paixão/I Hate Flash)

Clima quente e suor na Popporn @ Dick Bar – nov/2015 (Foto: Paixão/I Hate Flash)

A Popporn é a versão party do festival multidisciplinar de mesmo nome, idealizado pela falecida Suzi Capó com o intuito de promover uma “despudorização”, uma “sexualidade positiva” tanto dos corpos quanto da cultura. “Pra gente não tem mais que só discutir a pornografia, fazer exposição com quadros de piroca, isso já não choca mais”, explica Thiago. “A festa é um campo de experimentação. O lance é seu corpo ali, e com ele você pode fazer o que você quiser…”.

Apesar do corpo nu e do sexo serem prerrogativas óbvias e experenciadas, os promoters das festas dizem que não é algo imperativo; você pode ir a uma dessas festas e só dançar, se divertir e ficar de boa; muito menos precisa ser gay ou pansexual para frequentar, e é esforço de alguns desses eventos em chamar mais mulheres etambém os héteros. “No evento a gente não promove a putaria, a gente promove o FIQUE PELADO. E as consequências são as consequências”, tergiversa o promoter da PopPorn.

Rafa Maia, jornalista e promoter da festa Kevin, que costuma acontecer em puteiros do centro de SP, como hoje famoso L’Amour, e por cabines de filmes eróticos, tem um ponto de vista parecido: “ninguém é obrigado a fazer nada. Liberdade com a própria pele pode ter N maneiras diferentes de expressão, pode ser sexual, na música, no comportamento, na maneira de se vestir. Essa liberdade pra mim é o foco para a celebração de ser gay que a Kevin se propõe”.

Flesh Lovers, para os amantes da carne carioca

Flesh Lovers, para os amantes da carne carioca (Foto: Rafa Medina/Flesh Lovers)

No Rio de Janeiro, o fotógrafo Rafa Medina comanda a festa Flesh Lovers, que surgiu de um grupo na Internet de troca de nudes e assuntos sexuais, e agora afirma-se como a algazarra de corpos nus na cidade maravilhosa. “A celebração é mais em torno da afirmação do próprio corpo do que propriamente fazer sexo”, explica Rafa. “É claro que uma festa em que grande parte das pessoas estão nuas as relações sexuais ficam, digamos, facilitadas e também não impedimos nada”.

Também no Rio, a Hole acontece toda quinta desde o fim do ano passado num tradicional bar gay em Copabacabana, o TV Bar. “Quantas festas já existem no Rio que já propunham alguma coisa provocativa mas que nada acontece?”, questiona o promoter JP Marinho. “Curioso que o lugar que bomba mais é o reservado, com cortinas, porque o povo aqui do Rio, mesmo estando numa festa de sexo, ainda é muito envergonhado, tem muita culpa envolvida. Essas festas estão começando, é uma cultura que não existia no Rio e ainda é normal que as pessoas tenham receio”, opina.

A galera que faz essas novas festas, tanto no Rio quanto em SP, geralmente se conhecem e, à boca pequena, rola muita falação e  fofoca sobre quais eventos tem mais sexo, mais nudez e por aí afora.

O look é mínimo, em conjunção com corpo e genitálias (Foto: Rafa Medina/Flesh Lovers)

O look é mínimo, em conjunção com corpo e genitálias (Foto: Rafa Medina/Flesh Lovers)

A relação que cada pessoa tem com seu corpo e a presença numa coletividade de exacerbação sexual são os grandes lances dessas festas, cada um vai lá para testar os limites de seu pudor. As locações são outra atração dessas baladas, e talvez tamanha liberdade só esteja acontecendo hoje porque, nessa década, não dependemos mais do espaço fechado e ultracontrolado dos “clubs” para vivermos e nos expressarmos na noite. Tamanha safadeza não seria possível sob as vistas e autoridades de seguranças e afins, então essas festas sexuais encaixam gostoso (ui!) no roteiro de locações underground itinerantes.

A Flesh Lovers ocupa uma masmorra da Lapa carioca, outro exemplo do centro decadente das grandes cidades como chamariz para a expressividade sexual. A Popporn já aconteceu num clube da  Bento Freitas, hoje arrematado (e gentrificado) pelos novos donos do Lov.e Story, em bar de michê/drag na Vila Buarque e num grandioso cinemão da Av. Ipiranga, centrão de SP. A festa já rolou no conforto do PanAm, mas lembra o seu produtor que, devido ao clima arrumadinho e o ar condicionado, ninguém tirou a roupa – o lance é suar e ficar nu!

Thiago, da Popporn, lamenta a dificuldade em conseguir um pico 100% firmeza para que o público possa se expressar sensual e sexualmente – já houve casa hypada de SP cancelando a festa, já divulgada, ao notar do que se tratava o agito.“ O centro é uma célula que você tem que ter muita ousadia pra mexer”, opina Thiago. “Se eu sair do centro, eu perco toda a essência, não combina”. O pessoal da Popporn armou também uma nova baladinha no Blackout Club, famosa casa gay de sexo no Arouche paulistano – é a Dando, festa menor e de nome sugestivo, que promove “um pouco de festa num lugar de sexo”, olhar conceitual inverso mas similar à de “festa que tem sexo” que é a Popporn.

Foi talvez na emblemática Voodoohop, há alguns anos, que uma figura foi de certa forma pioneira em provocar os clubbers e baladeiros com a nudez: o Volatille Ferreira. DJ, promoter, performer e artista plástico. Muitos devem lembrar da particular de Vola de peru e alma de fora na psicodelia que a Voodoo proporcionava para além dos clubões tradicionais de house/techno. “O lance de ficar nu nunca foi pra mim algo egocêntrico”, conta o figura, que topou dar um depoimento sobre sua nudez na noite.

Eu não curtia muito meu físico, queria que meu corpo tivesse amadurecido junto com meus pensamentos. Mas é uma coisa burra esse lance de pensar sobre a estrutura física de um corpo com o que você é. Então relaxei. Meu lance da nudez na Voodoo foi algo libertador pra mim, não foi planejado. Tomei um ácido e no meio dos devaneios daquela catarse hedonista estava eu fritando no terraço da Trackers peladinho. Depois desse dia nunca mais fui o mesmo. Glória!” – VOLATILLE, RELATO DE UMA NUDEZ

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E A MÚSICA?
Quais são os sons que combinam com tanta safadeza? Se baladas como Popporn, Flesh e Kevin são um laboratório da sexualidade, essas festas também são espaços de curiosas misturas de música dançante e suas relações com o corpo.

No caso da Flesh Lovers, falar sobre o que se toca traz aquela velha e conhecida reafirmação da cena carioca em atestar que a cidade tem boa música eletrônica. Diz Rafa Medina como “a escolha musical é de uma percepção que tivemos com relação a noite carioca: a gente sentia falta de uma noite com house e dance music de boa qualidade. Das festas onde as pessoas vão não só pra ‘causar’ mas também pra dançar. Daquela festa que a música é tão boa que você não consegue sair da pista!”.

Rafa Maia, da Kevin, busca nas origens da dance music a justificativa para os beats como trilha sonora desse novo erotismo. “A música eletrônica sempre esteve atrelada a um clima de liberdade, seja sexual, seja de uso de drogas. As músicas que rolam na Kevin perpassam esse universo”.

Entram nessa conta junto com a dance music tudo quanto é vertentes do pop e dele, o famigerado funk carioca. Ledah Briacho é DJ trans, residente da Popporn, e adereçamos a ela uma discussão vista nas redes da festa: o fato de que, mesmo numa festa de tema sexual em pleno Brasil, o funk carioca ainda é muitas vezes rechaçado. “Eu não entendo porque a black music e o twerk são tão hypados na gringa e brasileirx paga tanto pau, quando o mesmo brasileirx critica o rap nacional e o funk… É muito hipócrita”, reclama Ledah. “O que acho mais engraçado é que a mesma lynda que critica, quando bebe duas vodkas na boite é a primeira a fazer o quadradinho na pista. Todo mundo ama odiar o funk, mas quando o tamborzão bate mexe com o nosso sangue”.

Daniel Wang, ícone internacional da disco music, mora em Berlim e frequenta e toca nas festas eróticas mais bombadas da capital alemã, como a Snax no Lab.Oratory, o porão sexual do Berghain. “Acredito que Berlim faz jus à sua reputação”, opina Wang, super interessado em falar de sexo e música conosco. “A liberdade sexual não é algo criado artificialmente para atrair turistas. Vem de uma sociedade europeia moderna, tolerante, que aceita a expressão sexual humana como algo normal e válido. Sinto isso em todo lugar aqui, não só em dois ou três clubes de techno”.

Wang foge do clichê da house music e do techno sensualizados como a ideia de uma dance music erótica, e diz que gosta de transar com seu boy ao som dos LPs ambiente de Brian Eno e Erik Satie! De todo modo, ele levantou um minichart sensual para a gente:

DANIEL WANG – SEX PARTY MUSIC CHART
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“A música para uma festa sexual deve ser diferente, não deve ter muitas letras, ser mais abstrata, espacial, um background. Não necessariamente mecânica, mas ela não deve demandar muita atenção”
“Altered States” e “Making Love” –  Ron Trent


“Waterfalls” – After Hours, Strictly Rhythm 1990.

“Ambient 2, Plateaux of Mirror”- Brian Eno.
(“Como diria Woody Allen o maior órgão sexual humano é o cérebro!”)

Nessas novas festas aqui destacadas, o caleidoscópio de DJs que passam pelas cabines mostram essa diversidade musical. Você vai dançar desde a latinidade safada de Ad Ferrera (Mel, Lua), o pós-bass/pós-pop/pós-tudo de Pininga e Apolinário, a já citada Ledah Briacho, rainha do pop, além dos houseiros Maltchique e Jade Gola, DJ-jornalista que escreve agora linhas e pode confirmar: dá para ir de Rihanna a house voguing 90s, sem deixar de tocar um pancadão e aquela piada-interna sua, escracho que no clima libertino todo mundo vai entender (ou no mínimo aceitar).

Estimulada em sua libido, a pista responde com excitação o tempo todo. E quem não gosta de um som ou outro, vai se ocupar com os têtes-à-têtes que tanta peladeza proporciona…

Ledah: DJ trans que não dá confiança pra funk machista

Ledah: DJ trans que não dá confiança pra funk machista (Foto: Takayama/I Hate Flash)

Afora DJs, as festas tem atrações como coletivos de atores pornôs em cena, dubladores, drags e outros performers e montadxs que também são DJs eventuais. Há um clima liberal que não é preso a cena e line-ups manjados da eletrônica, então novatos, gringos de passagem e outras surpresas podem tomar o som.

E como pede o DNA de empoderamento sexual dessas festas, há também um forte teor político na música, como se vê nas nuances de seletagem de Ledah Briacho. “Eu enquanto DJ mulher trans feminista, tento não passar pra frente discursos machistas, misóginos ou fóbicos de qualquer tipo – tem muito funk e black com letra homofóbica, transfóbica e a maioria extremamente machista. Hoje em dia temos ótimas representantes femininas na música em todos os estilos, eu invisto forte nas minhas irmãs e chego a fazer set de 1h30 sem nenhuma música com vocal masculino. Pensa que alguém sente falta? rs..”

Desde a ‘revolução sexual’ dos anos 1960-70, diversos observadores põem em evidência o estado de ‘selva sexual’ em que se encontram mergulhadas as sociedades democráticas entregues ao culto dos prazeres carnais e da liberdade no amor. Dissociação da sexualidade e da moral, ‘anarquia das regras morais’, queda dos tabus, multiplicação dos parceiros, diversificação das práticas da carne: o liberalismo sexual que acompanha o desenvolvimento da sociedade de consumo de massa pariu o ‘sexo selvagem'” – GILLES LIPOVETSKY, FILÓSOFO FRANCÊS

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A Popporn ajudou a bancar a peça “Anatomia do Fauno“, que dramatiza a sexualidade gay de nossos tempos. O espetáculo teve sessões lotadas e volta em 2016. Na foto, o elenco. (Takayama /I Hate Flash)

HÁ LIMITES NA PUTARIA?
Os limites partem da consciência dos frequentadores de que “não é não”, lema que é cartaz-lembrete dos corredores da Popporn, por exemplo. De resto, tudo é permitido desde que seja com o livre arbítrio dos donos dos corpos.

Um receio, conta Thiago da Popporn, é o oba-oba que acaba levando a transas sem proteção. Mas o tom deve ser de conscientização, e não de censura. Um frequentador desavisado foi comentar depois da festa no Facebook que as pessoas deviam tomar mais cuidado, se proteger não só do HIV, mas de outras DSTs e etc, e foi xoxado geral. “A gente preza pela liberdade, como vamos ficar falando ‘não faça aquilo, e aquilo? Estarei contradizendo meu discurso, sendo conservador”, opina Thiago. “As únicas coisas proibidas são desacatar um não e fazer carão”.

*Para uma visão mais ampla sobre as nuances entre gays, sexo seguro e bareback, recomendamos a leitura desse artigo

JP Marinho, da sex party carioca Hole, conta que desde o início seu crew teve a preocupação de a festa não ser um “zoológico para curiosos”. “Não é como uma sauna, que você tem que ficar pelado, de toalha ou de cueca. Você pode ficar como quiser, inclusive na pista dançando”. Cariocas que conversamos e já foram à Hole dizem que ainda há um choque entre os novos pelados transantes que ocupam o lugar e público antigo do TV Bar, só acostumado aos flertes. É de se imaginar os choques.

UTILIDADE PÚBLICA!!!

Lemas e orientações da Popporn (Foto: Paixão/I Hate Flash)

O limite e métrica da putaria é a própria liberdade de cada frequentador. Se há gente que goste dessas festas para fazer um belo sexo oral em público, há também quem goste de se expressar de outras maneiras, geralmente ligadas à montação, a uma autoexpresão particular potencializada pela ousadia sexual. “Pra muita gente, liberdade tem a ver com quebrar o tabu da roupa. A roupa pode ser uma prisão pra muitos”, diz Rafa, da festa Kevin.. “Pra outros, liberdade pode ser usar uma peruca de 90 sentimentos e uma maquiagem com muito glitter”.

Uma coisa é certa: festas como a Popporn, a Flesh Lovers e a Kevin parecem ser a crista de uma bolha, uma tendência que caiu aos olhos da mídia, e já está chocando até os caretas, para catarse dos promoters. “Quando as pessoas vão aos nossos eventos e tiram a roupa e/ou permitem seus instintos, é porque asseguramos nosso discurso. Não é mais uma festa de gente pelada, e sim pessoas que confiam em nossa luta de ‘despudoração’”, diz Thiago.

Rafa Maia, da Kevin, completa a receita dessa despudoração que a noite brasileira vive. “Sinto as pessoas hoje em dia muito mais donas do seu próprio corpo, orgulhosas dele e satisfeitas, da maneira que for, da maneira que lhes faça felizes. No final das contas, isso precisa vir de dentro delas”.

PODE FICAR PELADO!

ATRIZ PORNÔ NO PALCO, VIBE CORRETA! (Foto: Takayama/I Hate Flash/Popporn)

PRÓXIMAS FESTAS

KEVIN  • Domingo de Carnaval
07/02 (domingo)  – Cabines Bar • Sex Shop (Paulista x Consolação – SP)
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† + † POPPORNPARTY † + † ۩ ╬ FUNERAL DO CARNAVAL ╬ ۩
13/02 (sábado) – The Sensation (Rua Rego Freitas, 56, SP)
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Carnaval na HOLE @ TV Bar
06 (sábado) e 11/02 (quinta-feira – Copacabana (Rio de Janeiro)
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Flesh Lovers_Baile Dos Flamingos + After
12/02 (sexta) – Lapa (Rio de Janeiro)
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