Do Madame Satã a professor universitário, Magal completa 33 anos de DJ com muito a ensinar

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Desde o início da década de 80, várias casas noturnas e movimentos musicais nascerem e morreram em São Paulo. Assistindo a tudo de camarote, ou melhor, da cabine de som, o paulista José Sidnei do Prado, 50 anos bem vividos, foi protagonista da maior parte desses movimentos – quanto mais underground, mais ele esteva presente. Em vez de se abater com encerramentos de ciclos, ele emulou um fênix, renascendo e se repaginando.

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Nascido no bairro Humaita, em Santo André, foi com um apelido de colégio, que tirava onda do cantor Sidney Magal, que ele foi condecorado com o título informal de DJ dos DJs. Provável que não haja um DJ de responsa no Brasil que não tenha alguma história pra contar sobre o Magal.

Primórdios da cena underground em São Paulo? Ele estava lá, tocando no icônico Madame Satã. Pontapé das danceterias? Claro que tinha Magal na cabine, mais especificamente na do Rose Bom Bom. Auge da onda industrial, EBM e afins? Magal foi o piloto das cabines de Cais e Hoellisch, na praça Rooselvet. Boom da eletrônica de novo? Magal estava na sala de parto, tocando em clubes como Columbia e depois Stereo, Vegas, D-Edge…

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Magal no Madame Satã, com o dono do clube, Willian

Minha história com Magal deve ter se repetido com muitos adolescentes em início de vida clubber. Com 13 pra 14 anos, entrei clube noturno (matinês eu frequentava desde os 12) pela primeira, com minha irmã mais velha, Fernanda. Me enchi de maquiagem e passei pelo segurança do Rose Bom Bom. Como me senti adulta!

A etapa seguinte foi tentar me misturar na turma de rockabillies da minha irmã. Mas aí comecei a ouvir umas músicas que, naquela época, eu só ouvia no programa de videoclipes Realce, da TV Gazeta, ou no rádio, no programa Novas Tendências, do José Roberto Mahr. E faixas que eu nunca tinha ouvido. Não conseguia fazer mais nada senão olhar pra cabine e pensar: “que discos são esses?”.

Me enchi de coragem e fui falar com o DJ. Na cabine, um moreno magro, de boné, me atendeu superbem. Escreveu num guardanapo alguns nomes de discos e até me indicou onde encontrá-los (na loja Bossa Nova, na rua 7 de abril, ordem que eu obedeci e comprei discos que tenho até hoje).

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Magal na cabine do Rose Bom Bom

Naquele dia, nascia uma entidade pra mim: DJ Magal. Com o passar dos anos, percebi que eu não estava sozinha nesse fã clube. Leia, a seguir, a entrevista com esse mestre da música eletrônica nacional, que hoje em dia faz jus ao título, já que é professor de Discotecagem na Universidade Anhembi Morumbi.

Music Non Stop – Como você começou o aprendizado na discotecagem?

Magal – Não foi por acaso. Meu irmão Ronaldo foi o grande culpado. Ele tinha os equipamentos e organizava festas nas garagens dos amigos do bairro. Eu ajudava na montagem das festas e depois ía pra curtir à noite. Às vezes ele se cansava e pedia pra eu tocar um pouco. E foi assim que tudo começou.

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Ronaldo, o irmão de Magal, culpado por ter injetado DJing na família

Music Non Stop – Qual foi a primeira vez que você tocou profissionalmente?

Magal – Foi no Madame, em 83. O Marquinhos havia sido convidado para tocar num aniversário de um amigo. Depois dessa noite ele ficou como residente do clube. Mas ele trabalhava numa agência bancária, não podia ir às quintas. Aí ele me indicou para os donos. Toquei uma vez numa quinta fria, para apenas 15 pessoas. Mesmo assim eles me quiseram lá. Eu também trabalhava como office boy, mas aceitei, porque precisava do dinheiro pra pagar as contas.

Music Non Stop – Como era o ambiente musical na sua casa?

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O patriarca da família Prado tirando uma onda de DJ

Magal – Era muito bom! Todos gostavam de música. Meu pai tinha vários discos. O primeiro balinho que fui eu devia ter uns 8 anos de idade. Foi na casa de um primo. Tava rolando James Brown, Tim Maia… E, como meu irmão era técnico em eletrônica, tínhamos fácil acesso a novos equipamentos.

Music Non Stop – Quais são as suas principais memórias dos primórdios do Madame Satã?

Magal – Me lembro de como era nossa relação com os donos. Eles nos tratavam como filhos e com muito carinho. Era um ambiente familiar. Uma vez briguei feio com o Zé Claudio, não me lembro o motivo. No fim da noite ele veio se desculpar com um balde cheio de gelo e uma garrafa de champagne dentro. Nunca me esqueço disso. Os clientes também, depois que passaram a nos conhecer melhor, traziam discos novos para que pudéssemos experimentar na pista. E eram coisas que tinham a ver com o que tocavámos. O lugar era incrível! Único! Diferente de tudo que eu conheço até hoje.

Music Non Stop – Como era tocar com o Marquinhos MS?

Marquinhos MS

Magal – Uma pessoa maravilhosa, com uma sensibilidade e feeling únicos. Apostava em músicas que qualquer um diria que não funcionaria numa pista. Mas ele estava sempre à nossa frente. Quando você menos esperava, ele colocava a música pra tocar, e a pista ia à loucura. Eu tocava um som mais gótico/sombrio. Ele era mais melódico. Além disso, era um grande amigo, como um irmão. Andávamos sempre juntos, iámos em vários clubes e festas. Frequentava minha casa, conhecia minha família, e eu a dele. Morávamos praticamente no mesmo bairro.

Music Non Stop – Lembro do Grego falando de você e do Marquinhos, que uma vez vocês foram até a rádio (não me lembro qual) e que todo mundo ficou passado com a modernidade dos discos que vocês levaram… conta um pouco sobre esse relato dele…

Magal – Foi na antiga Pool FM. Uma pessoa ligada à radio ouviu a gente no Madame e nos convidou para dividir um programa com o DJ Gabo. Eram apenas 30 minutos pra mostrar nosso trabalho. Assim que entrou a primeira música, o Ricardo Guedes e o Grego, que trabalhavam lá, entraram no
estúdio pra saber o que era aquilo. A gente ficou super feliz! Ganhamos um programa semanal de uma hora de duração. Nessa meia hora me lembro de tocar: Quando Quango – Atom Rock, The The – Uncertain Smile e Alien Sex Fiend – Ignore The Machine… entre outras coisas.

Quando Quango – Atom Rock

Music Non Stop – Como era tocar no Rose Bom Bom?

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Magal felizão no Rose

Magal – O Rose era um clube mais elitizado. Talvez pela localização. Ficava numa galeria no Jardins entre a Haddock Lobo e Oscar Freire. Tinha um bom soundsystem e um público mais eclético, porém muito receptivo. Isso me fez abrir ainda mais meu leque musical, me permitindo tocar coisas
como EBM, new beat, acid house, hip hop e post punk, tudo numa mesma noite.

Music Non Stop – Você foi o primeiro DJ que eu vi tocar e sempre foi muito solícito comigo na cabine de som. Você tem ideia da influência que exerceu sobre tanta gente?

Magal – Sim, as vezes penso nisso. Saber que muitas pessoas, DJs, produtores, e até músicos estão na minha pista prestando atenção no que toco me faz sentir com uma responsabilidade gostosa e com muito mais prazer em tocar. Tenho muito honra em carregar isso comigo.

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Music Non Stop – Você atravessou diversas fases e modismos, mas sempre teve um marca característica. Como isso se formou tão forte em você?

Magal – Eu aprendi lá atrás, no Madame/Rose/Cais, que, além de fazer as pessoas dançarem, eu tinha o poder de passar informação. Mas isso não significa tocar apenas coisas atuais, como muitos DJs se preocupam em fazer. De uns anos pra cá eu consegui equilibrar meus sets com coisas novas e as
referências atemporais dos vários estilos que conheço. Essa é minha marca.

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Magal literalmente suando a camisa do Sisters of Mercy na cabine do Hoellisch

Music Non Stop – Você já deve ter vivido momentos complicados nesses mais de 30 anos de carreira. Já chegou a pensar em parar de tocar?

Magal – Passar por todos estes momentos complicados como este que vivemos hoje no nosso País e me manter ativo continua sendo meu maior desafio. Nossa cena vive uma mudança constante e tudo que acontece aqui infuencia no comportamento das pessoas. É preciso estar muito atento
a essas mudanças pra conseguir sobreviver disso. No início da década de 90, quando saí do Columbia, achei que não tocaria mais. Não havia espaço para mim na recém-formada cena eletrônica. Tive que me reinventar e esperar quase 10 anos pra poder voltar ao mercado. Neste tempo eu fiquei tocando em clubes de pouca expressão em que a música underground não era prioridade. Mas foi aí que eu melhorei minha parte técnica. Conheci o DJ Fabian no Columbia. Ele me deu alguns toques e minhas mixagens melhoraram muito.

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Magal tocando em sua residência, a festa Cio, quando ela ainda rolava no D-Edge

Music Non Stop – Como rolou de você começar a dar aulas numa universidade?

Magal – O Leonardo (coordenador) me convidou para ser um dos professores de discotecagem no curso de produção de música eletrônica junto com o Ramilsom Maia e o Makoto. No começo eu achei que não seria capaz de ensinar. Nem sabia como fazer isso. Mas eu fui atrás, consegui umas
apostilas de outros cursos e desenvolvi uma didática que tem feito sucesso. Fico super orgulhoso quando vejo um dos meus alunos tocando.

Music Non Stop – Como você vê o futuro da música eletrônica no Brasil, agora que tem contato direito com alunos e galera mais jovem?

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Magal tocando na Capslock

Magal – Eu vejo um futuro muito promissor. As coisas mudaram muito de uns anos pra cá. Não existem mais barreiras. Mas para melhorar ainda mais temos que saber usar nossas influências regionais e parar de pagar pau pra gringo. Fazendo isso tenho certeza de que o Brasil será uma referência na música eletrônica mundial.

 

 

Music Non Stop – O que você ainda gostaria de realizar como DJ que não realizou?

Magal – Eu continuo com muita vontade de produzir. Tenho muita coisa pra  mostrar e quero colocar isso pra fora. Espero que agora que minhas filhas estão maiores eu consiga me dedicar em tempo integral.

Music Non Stop – Quais foram os melhores DJs que você já viu tocar?

Magal – A parte técnica é muito importante. Mas o conteúdo musical que estes caras passam sempre vai falar mais alto na escolha. Erol Alkan, Dave Clarke, DJ Hell, Ben Klock, Marquinhos M.S., Ronaldo (meu irmão), Ricardo Guedes, Gregão, Silvio Muller, DJ Gabo, Camilo Rocha, Benjamim Ferreira, DJ Marky, DJ Mau Mau, Edu Corelli, Mark Flash e Renato Cohen.

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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