Nightcore, shangaan, footwork e outros subgêneros esquisitos: desvendamos os mistérios desses sons pra você

Jade Gola
Por Jade Gola

thTechno, house, trance e drum’n’bass costumavam ser os quatro gêneros que atendiam a quase tudo que existia na música eletrônica – era até a divisão dos palcos no começo do Skol Beats, lembram? Mas a música eletrônica é bastante fluida e mutável em suas plásticas sonoras, em seus contextos socioculturais e estéticos. Então haja uma tonelada de sub e microgêneros para dar conta das mais curiosas (e doidas) criações musicais.

Muitos artistas, conscientes ou inconscientemente, buscam atender a um gênero cânone (como a santificada house music e o rock, por exemplo), ou tentam mudar paradigmas e estruturas do mundo musical criando pequenos nichos e marcações culturais a partir de novos gêneros. Afora isso, novos e curiosos termos servem para registrar as evoluções musicais e culturais ao longo do tempo, e também para nos divertir.  Vamos passar a limpo alguns dos subgêneros mais recentes e que estão na boca do povo?

 

BRAZILIAN BASS

Designação que Alok denominou para seu som e o de seus comparsas, ele que já vinha marcando seu som como “new design”, algo que estaria “entre o mainstream e o underground”. O rótulo-marketing funcionou e, como muito do que esse DJ-revelação brasileiro da atualidade faz, virou falatório: memes, polêmica nas redes sociais e até réplicas de DJs de “bass music” mais tradicionais.

Alok foi encontrar Zegon depois que ele questionou o gênero, e os chapas trocaram apertos de mão e pacificaram essa crise terminológica em torno do grave brasileiro: Zegon disse que música não é futebol, guerra nem religião, e o que importa é que o bass nacional esteja em destaque, o “grave à frente: tanto no como no brazilian bass, futurebass, dubstep, trap, não importa… “Só temos a ganhar somando”, disse um Zegon bem político.

Alok é esperto ao buscar um rótulo para si – até festival “brazilian bass” vai rolar dia 08/07 em SP, com ele de headliner junto de pupilos como Illusionize e Dazzo, que tocaram em suas tendas do Tomorrowland. Se aproveitando da fluidez da música eletrônica, ele assume o rótulo, mas na hora de defini-lo bem o DJ é vago, como muitos artistas da música eletrônica são na hora de assumirem para si gêneros ou vertentes – a autenticidade cultural passa por não ser preso a nenhuma definição, mas sim viver apenas a “música pela música”.


“Ao contrário de vertentes tradicionais, o Brazilian Bass não tem a intenção de ser algo muito bem definido. O que aproxima as criações são as linhas de bass que se sobressaem na música, assim como o ritmo marcado bem ao gosto de um público de sangue quente como o nosso”, arriscaram Alok e turma. Para efeito de comparação, o tal brazilian bass lembra sons do selo Dirtybird (Claude von Stroke) e a fanfarronice do electro house da década passada, com uma bela dose de cornetas e drops de EDM

 

PÓS-DUBSTEP

O tempo e a cronologia são ferramentas ativas de denominação e compreensão de gêneros musicais. “Neo/nu”, “anti”, “proto”, “pós/post” são todas marcações didáticas que registram a criação e evolução de um gênero. E também de sua dissolução, caso do dubstep que ficou tão famoso que para fugir da maldição do brostep e do lado mais popularesco que o gênero adquiriu, nasceu o “pós-dubstep” como numa nova fase de autenticidade desse som.


“Foi um momento de expansão sonora, apropriação de novas referências musicais e ideias correntes”, opina Bruno Belluomini, nome brasileiro ligado ao gênero e que acabou rompendo com ele. “O Dubstep originalmente não era tão diverso ou amplo – era apenas um som londrino que veio do garage, misturado com dub e música caribenha, muito simples e pouco articulado, mas não menos interessante justamente por conta da sua simplicidade”.

Artistas que foram impregnados de dubstep, mas não faziam o dubstep como ele tinha se tornado e viram o termo “post-dubstep” colarem em si passam por Mount Kimbie, Gold Panda, James Blake, Jamie xx, Joy Orbison, Zomby, muitos deles pendendo mais pros cânones do techno e house, do que para o grave pesado do dubstep. E hoje, assinando como Horos, Belluomini disse que seu som é “maracatechno”, e não pós-dubstep.

 

FOOTWORK

Esse já analisamos por aqui. Siamês de nomenclaturas como ghetto house e juke, footwork parece o nome certo para designar uma música de 160bpm, histérica, veloz e com malandragem suburbana, onde o foco não é a contemplação ou a viagem musicais, mas sim o “trabalho dos pés”, a dança que é um “exercício de velocidade e exibicionismo”.

O footwork surge do mesmo lugar que a house music, os clubes e rincões negros de Chicago, mas está mais próximo do jungle/drum’n’bass do que da house: subgraves, vozes picotadas e entregues como rajadas de metralhadoras, terremotos de breaks e samples, tudo convergindo para a dança. Apesar da velocidade e do clima fanfarrão que por vezes pode ser de uma infantilidade hardcore, o footwork/juke tem espaço para o soul, para um sentimento mais profundo, como bem provam as tracks do falecido Rashad e de Traxman.

 

lowercase

Tão afeita a muitos tipos de minimalismos, a música eletrônica poderia assimilar muitos detalhes sobre o som – e também o silêncio – nesse particular subgênero minimalista, a lowercase, que surgiu junto do século 21. Mais experimentalista do que contextual, a lowercase traz músicos que exacerbam barulhos e ruídos cotidianos em música. “Forms of Paper”, do americano Steve Roden, é creditado como pioneiro nesse tipo de música ao musicar os diversos sons de um papel sendo amassado (!).

Sons de formigueiros e de plantas crescendos são ampliados em suas ondas sonoras e trazidas aos ouvidos humanos como uma música pacífica, minimalista e orgânica. Mais do que um subgênero da moda, o lowercase está mais próximo das artes plásticas por seu enfoque na forma do que da música pop e/ou alternativa.

 

WITCH HOUSE

Inspirado pelo sucesso monstrengo de The Knife/Fever Ray, e também pelo clima noir e de suspense de filmes lynchianos, a witch house foi um gênero que a partir de 2010 lançou muitos artistas bacanas, que mais do que dividirem estéticas, tinham em comum a paixão pela obscuridade.

Pode-se dizer que a witch house foi o grande movimento gótico/dark musical dos últimos anos.

Drones, low BPMs, som industrial um pouco mais narcótico e desacelerado, hipnose niilista sem fim adornada por samples e ruídos de terror e melodias tristonhas, de anjos caídos em reverb. Crystal Castles é um grande nome que foge um pouco do subgênero por seu tamanho sucesso, além de Holy Other, Purity Ring, Zola Jesus, Salem e tantas outras bandinhas com ▲ e † em seus nomes.


Surgido na onda witch house de 2010/11, o selo Tri Angle escapou das amarras voláteis dessa alcunha das bruxas e alcançou vida própria lançando artistas bons e além de ondas momentâneas como How to Dress Well, Vessel e Fatima Al Qadiri (apesar de todos seus artistas possuírem uma melancolia e obscuridade).

 

PC MUSIC/NIGHTCORE/HYPERPOP

O pop  foi acelerado e transmutado num som que, apesar de não deixar de ser pop, adquire aura underground pela sua subversão. Mais conhecido pela alcunha e selo PC Music, que já foi parar em gravadoras mainstream e tem artistas como Sophie produzindo para Madonna, esse fenômeno também é visto nos microgêneros siameses nightcore, alien music e hyperpop.

“Nightcore, numa definição básica, é toda música modificada e acelerada/alterada seu agudo, geralmente feito em músicas dance, techno e trance”, explica Brüno Melo, que faz parte da equipe DRVMV em São Paulo; junto com a Sad Rave, são eventos onde esse novo pop é apresentado em minisets de meia-hora, para um público na faixa dos 18-26 anos.

Brüno conta como Nightcore surgiu por causa de um artista de mesmo nome que foi pioneiro nesse som. Ele sumiu do MySpace, mas seus seguidores adotaram o nome para si e começaram a produzir música similar, diluindo noções de autoralidade, o que fez o gênero se expandir. “Cada plataforma que os usuários postam seus nxcs tem suas particularidades: existem as cenas online, a do Soundcloud por exemplo é bem sólida, existem muitos artistas ao redor do mundo que se juntam as ‘netlabels’ e produzem nxc ou até mesmo originais”, diz o promoter.

 

VAPORWAVE/HYPNAGOGIC POP

Subgênero da geração Tumblr, vaporwave é o epípeto da nossa obsessão nostálgica e retrô: elementos como games, comerciais, programas de TV dos anos 80, design de informática dos anos 90, glitch e 3D vagabundo são misturados com música mela-cueca desacelerada, hipnótica, versões antigas do pop distorcidas e um fascínio com fitas VHS e K7.

Vaporwave é sinônimo de hypnagogic pop, termo que busca ser mais didático e refere-se ao estado hipnagógico: o momento em que consciente e inconsciente se fundem quando estamos prestes a entrar no sono profundo, e onde as memórias surgem numa convulsão non-sense expressiva; o briefing da nostalgia musical distorcida e um pouco monstruosa desse som.

Daniel Lopatin (Oneohtrix Point Never), The Caretaker, Macintosh Plus, Ariel Pink & Haunted Grafitti, Geneva Jacuzzi e Torn Hawk são alguns dos nomes conhecidos, soltando a vaporwave em associação com electro, rock e experimentalismos diversos. E merecem créditos os milhões de internautas que brincaram de fazer artes glitch e vintage misturadas com sons antigos desacelerados e picotados, essa indefinível e fascinante geração seapunk niilista.

 

FUTUREBEATS

Outro subgênero em torno da força que o bass/grave vem ganhando em muitas cenas de música eletrônica. Futurebeats poderia ser dubstep, mas trata-se de artistas e de sons que não se relacionavam anteriormente ao dubstep, apesar de serem sonoridades próximas, e que assimilam referências abstratas e difusas de outro sons como jazz, hip hop e house.

É um nome mais para designar experimentalismos e artistas que não querem se amarrar a nenhum gênero, como bem apontou o produtor paulista MJP em seu perfil em 2014 no deepbeep.com: “Acho que é um rótulo para o que as pessoas não sabem, não conhecem […] futurebeat são os beats que estão sendo feitos hoje em dia”.


Diz-se que a ideia e o nome futurebeats vieram de um fórum de música eletrônica nova no Reedit, uma prova de como as categorizações na música eletrônica acontecem muito além de detalhes e características estéticas e locais (Detroit techno, por exemplo). Em São Paulo o selo Beatwise Recordings é muito creditado como futurebeats, gênero que se espalhou também por ter ampla cobertura dos portais Thump, da Vice, em vários países. Toro y Moi/Les Sins é um artista conhecido e multireferencial que já levou o carimbo de futurebeats por aí.

 

SHANGAAN ELECTRO

It began in Afrika! O Shangaan é uma releitura de tradições musicais dançantes da África do Sul, como tsonga disco e kwaito, transformada em síncopes surreais e veloz de um novo gênero, um novo futurismo africano. O subgênero foi destacado ao Ocidente inicialmente pelo selo Honest Jon’s em uma coletânea de 2010, e segue vida principalmente pela gravadora Nozinja Music.

noO Shangaan, ao contrário do kuduro, deixa o grave um pouco de lado e foca na velocidade de suas percussões que soam como MIDI de videogame, junto de mantras e cânticos em dialetos sul-africanos. É um som veloz e afiado, que foi adotado por gente como Dan Snaith (Caribou, Daphni), Ricardo Villalobos e até o pessoal do The Knife.

Em 2012 essas mesclas de Shangaan com a eletrônica global foi apresentada na coletânea Shangaan Shake, com artistas como Theo Parrish, Demdike Stare, Actress, Mark Ernestus e Hype Williams fazendo suas leituras desse som.

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