Ricardo Amaral é o cara, minha gente

Pra quem acha que sabe tudo de noite, um nome: Ricardo Amaral, o cara que “dignificou” o DJ no Brasil

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Quem não gostaria de ter a fórmula secreta da noite ideal?! Então, hoje é seu dia de sorte, pode anotar. “Pra ser boa, uma noitada precisa ter os seguintes elementos: muita mulher bonita, um mix de público que inclua empresários, jornalistas, artistas, gays e algumas profissionais da noite. O som deve ser tocado num volume que permita que se converse, e a música precisa ser excitante, com ginga. Nada de quebra-quebra”.

A receita é de alguém que conhece mais sobre noite do que o mais fervido clubber pode sonhar: Ricardo Amaral. É deste paulistano de alma carioca um dos livros mais indicados pra quem quiser aprender sobre a noite brasileira, dos anos 60 em diante. A obra Ricardo Amaral Apresenta: Vaudeville – Memórias (editora Leya, 508 páginas) foi lançada há cinco anos, mas permanece sendo um livro que qualquer baladeiro, boêmio ou apenas fã de boas histórias deveria ler.

Ricardo Amaral pageando mister Blue Eyes, Frank Sinatra, no Brasil

Em seus mais de 40 anos de noite, Amaral viu de tudo um pouco e no livro conta de forma deliciosa boa parte do que viveu e presenciou. Se você acha que já fez e viu de tudo na noite, vai ficar de quatro quando ler algumas das histórias que estão nessa colcha de retalhos da boemia brasileira, com incursões por Nova York, Paris e Londres, com direito a detalhes da intimidade de príncipes, divas, DJs, mafiosos, políticos, artistas, prostitutas e vários figurantes da noite.

Para quem nunca ouviu falar de Ricardo Amaral, um resumo. Antes de completar 18 anos, ele já trabalhava como colunista social numa redação, tendo como grande paixão desde cedo a noite e seus personagens. Já como promotor de festas, no fim dos anos 50, organizou bailes de debutante, como o da então moçoila Marta Smith de Vasconcelos – que mais tarde se tornaria sexóloga e política conhecida pelo sobrenome do primeiro marido, o senador Eduardo Suplicy, com quem dançou naquela noite.

Ricardo Amaral e o bafafá do high society

Ricardo Amaral e o bafafá do high society, com Susaninha bem xóvem e colocado à direita

Mas foi como dono de casas noturnas que Amaral escreveu seu nome na noite. Ele foi proprietário do primeiro clube privé do país, o Hippopotamus, que depois da estreia glamurosa em São Paulo teve filiais em Salvador e no Rio. Em 1977, Amaral abriu o Papagaio Disco Club, que inaugurou no país o conceito de discoteca – antes não existia isso de pagar um ingresso na porta, tampouco o conceito de uma casa noturna específica para se dançar, sem mesas nem cadeiras. Depois de arrebentar no Brasil, Amaral ainda se meteu nas concorridas noites de Nova York (com o Clube A) e Paris (o Le 78).

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Com Brooke Shields no auge do sucesso, bitches

Isso sem falar que ele foi o primeiro cara a apostar na importância dos discotecários, como eram chamados os DJs até o fim dos anos 70. É tanta história que melhor irmos logo à entrevista que fiz por telefone para o Estadão, na época do lançamento do livro, com esta que é uma das maiores memórias – apesar do companheiro “uisquinho” – da noite do Brasil.

Ricardo Amaral é o cara, minha gente

Ricardo Amaral é o cara, minha gente

Music Non Stop – Redes sociais, música eletrônica, DJs que viraram celebridades… Como a noite brasileira foi afetada por todas essas novidades?

Ricardo Amaral – Mudou tudo na noite. Nos anos 60, 70, 80, a noite era mais exclusiva, pra pouca gente. As pessoas que frequentavam a noite tinham nome e sobrenome. Você conseguia mapear exatamente quem estava numa casa noturna. A noite foi se popularizando e se diversificando. Antigamente, qualquer grande cidade tinha sempre um ou dois lugares de sucesso, no máximo. Imagina hoje, tem uma infinidade e com tribos diferentes. A música eletrônica, que trouxe grande mudança no comportamento das pessoas, só pôde acontecer por causa de uma grande evolução dos equipamentos de som. A noite hoje é mais juvenil do que era e se segmentou. Ela tem poucas referências à noite do passado. Mas acho que há espaço para uma volta do glamour, tenho percebido alguns lugares charmosos, que vêm apostando nisso.

Music Non Stop – Você foi um dos primeiros incentivadores do culto ao DJ?

Ricardo Amaral – Fui o primeiro a dar uma dignificada no DJ e o transformei no cara mais importante na hierarquia da noite. No Hippo, por exemplo, o truque era pôr o DJ logo na entrada da casa. Assim, quem entrava logo o via. Mas, na verdade, o ganha-pão do DJ no passado eram aquelas fitas cassete, vendidas nas boates. Era com isso que ganhava grana, porque um DJ fazia tipo R$ 100 por noite, isso os melhores, hein! Hoje em dia isso mudou completamente!

Music Non Stop – Quais foram os melhores DJs que já trabalharam para você?

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Ricardo Lamounier, o primeiro DJ superstar do Brasil

Ricardo Amaral – O nome que revolucionou tudo foi o Ricardo Lamounier. Até ele chegar, o DJ era discotecário. Foi o primeiro sujeito que apareceu com a mixagem no Brasil. Foi um visionário! Tem um discotecário por quem tenho especial carinho, o Jacaré. Hoje em dia, ele vive fazendo casamentos. Um dia, fui a uma fazenda em Campinas e lá estava ele tocando. Tocou em Nova York, no Clube A, pra mim. Depois, no Regine”s, em Paris. E tudo isso sem falar nada de inglês! Outro cara importante foi o Rodrigo Vieira, que hoje trabalha para a Sony. Ele vai fazer pra mim a Feijoada do Amaral, que faço todos os anos, mesclando samba com um molho eletrônico. Também teve o André Werneck e o Ricardo Araújo, que considero a cara do Hippopotamus até hoje. Outro que começou comigo e ficou muito conhecido foi esse menino Zé Pedro.

Music Non Stop – Como um brasileiro se enfiou na noite de Nova York no auge da disco music?

Ricardo Amaral – Isso foi produto da ousadia. Nova York não é uma cidade americana, é de forasteiros, então não foi tão difícil, não. É uma longa história, que tentei contar no livro.

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Sim, é Andy Warhol ali à direita

Music Non Stop – Qual foi a mudança mais brutal na noite nesses 40 anos?

Ricardo Amaral – O segredo de qualquer exercício de boemia é a conversa. E hoje é muito difícil conversar, né? A noite é baseada em ver, ser visto, falar e dançar. Agora a parte de ver e ser visto ficou mais ou menos, porque a luz não mostra com muita fidelidade. Sobrou dançar. O processo de sedução ficou mímico. Perdeu a graça da conversa. Os grandes sedutores agora são os melhores mímicos. Antigamente, eram as melhores conversas que levavam a melhor.

Music Non Stop – Quais foram as maiores referências para criar as suas noites?

Ricardo Amaral – Vai ser difícil você encontrar outra pessoa que tenha vivido tão intensamente a noite como eu vivi. Do fim dos 50, 60, 70, 80 até os 90, saí muito, Roma, Paris, Londres, Ibiza, Saint-Tropez, enfim, sempre viajei muito pra ir sacando as coisas. Pra mim, os grandes marcos foram a Infinity, em Nova York; depois, o Clube 54, um marco. Ainda em Nova York, teve o Cheetah. E ainda os clubes privados Annabel de Londres, Castel, de Paris, New Jimmy, de Monte Carlo, e o Le Club, de Nova York.

BÔNUS PROS LEITORES DO MUSIC NON STOP, FOTOS DO LIVRO:

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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